Antônio Jorge Fernandes - Universidade de Aveiro

Março de 2011, Por Raphaella Costa Rodrigues, 3° Semestre, Bolsista PET/Turismo - FURG

Nosso entrevistado deste mês, Antônio Jorge Fernandes, é Professor Auxiliar no Departamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial na Universidade de Aveiro – UA, Portugal. Neste momento atua, ainda, como professor e gestor de atividades acadêmicas junto à Universidade de Cabo Verde - UniCV, África, com base no Programa de Cooperação entre Portugal e a UniCV. Possui no currículo formações (Licenciatura, Mestrado e Doutorado) e trabalhos aprovados e desenvolvidos em diversos países, de diversos continentes. Possui domínios científicos e técnicos de investigação e gestão em Turismo, Economia Internacional e Economia Industrial.

1. De que maneira compreende a evolução do processo turístico mundial, tendo como exemplo Portugal, Cabo Verde e Brasil?

O crescimento do turismo mundial é um dos grandes fenómenos da economia e mundo contemporâneos. O turismo cresceu devido a um conjunto de circunstâncias extremamente favoráveis entre elas, a melhoria das condições de vida de vários países e grupos da população mundial, o desenvolvimento dos meios e tecnologias de comunicação e o grande impacto que a Internet veio a ter de forma crescente, ao longo da cadeia de valor do sector turístico, as formas de relacionamento com os clientes e a constante evolução da tecnologia (sobretudo com o incremento dos meios audiovisuais por parte dos meios de comunicação de massas, e de sofisticados meios de gestão), os níveis educacionais da população mundial mais elevados, as crescentes relações de negócios e interacção social à escala planetária (globalização), o aumento dos tempos livres, o aumento do poder de compra das famílias (fruto de uma maior renda disponível), o aumento da dimensão das empresas através da sua integração vertical e concentração horizontal, bem como a concentração da oferta, através de fusões e aquisições, a entrada de novos Países emergentes no mercado bem como a contínua internacionalização da oferta e da procura, a evolução e liberalização dos meios de transporte, o forte crescimento das indústrias de entretenimento (parques, desportos de lazer, jogos electrónicos, cinema, media) associadas ao surgimento de várias empresas e empreendimentos não tradicionais no mercado, a acentuada evolução dos sistemas de distribuição, vendas e reservas, o aumento da esperança média de vida (turismo sénior) e no caso da Europa o movimento de harmonização monetária (introdução física do euro) representou um estímulo acrescido ao turismo intra-regional, sendo finalmente de realçar o notáveis avanços da tecnologia e da inovação aos novos conceitos de gestão integrados, flexíveis e cada vez mais orientados ao consumidores. Todos estes factores contribuíram decididamente para tornar o turismo uma actividade de carácter global e de uma importância fulcral para um grande número de países espalhados pelos cinco continentes. É o caso da tríade Portugal, Cabo Verde, Brasil. Estima-se que o turismo seja responsável por cerca de 10% do PIB em Portugal, 20% em Cabo Verde mas apenas 4% no Brasil (é no entanto necessário levar em conta a magnitude do PIB Brasileiro em comparação com os outros dois países). Portugal figura entre o Top 20 dos países receptores, com aproximadamente 12 milhões de turistas (superior à população portuguesa em torno dos 10 milhões). O mundo lusófono é um conjunto de países com características únicas no panorama mundial, já que se estende ao longo de 4 continentes e se sustenta numa história rica de cultura e património para além das belezas físicas naturais. Além do mais à excepção da Guiné e de Angola, onde o longo período de guerra após a descolonização desincentivou o turismo, todos os outros países aparecem como destinos seguros, competitivos e com características próprias que agradam particularmente aos turistas internacionais. Para finalizar lembro que o turismo não se expandirá para os destinos onde exista agitação social ou guerra ou riscos de terrorismo, nem para aqueles que dêem uma imagem negativa das condições de saúde ou de segurança oferecidas aos turistas.

2. O que representa para o continente Africano o investimento estratégico em turismo? E como os africanos, em especial os cabo verdianos, enxergam esse processo?

Ao olharmos para as estatísticas da Organização Mundial do Turismo, constatamos de imediato uma realidade: a África é o continente que recebe o menor número de turistas (45 milhões em 2009), tem o menor volume de receitas (28,7 bilhões de dólares em 2009) e a maior parte dos países africanos nem sequer se encontra nos mais elementares roteiros turísticos. Isto advém de uma realidade nua e crua. Grande parte dos países africanos apresenta grande instabilidade política e social, deficientes condições de segurança, muitos deles estão em conflito permanente, outros estão subjugados por ditaduras de décadas, têm ainda insuficientes capacidades de resposta em sectores como a saúde, transporte, infra-estruturas e segurança pública. Ou seja tudo o que afasta os turistas está presente na maioria esmagadora destes países, ainda que a África seja um dos mais belos e exuberantes continentes. Como tal e se forem feitos esforços para ultrapassar estes constrangimentos (o que não se avizinha como tarefa fácil), o investimento estratégico no sector do turismo em boa parte dos países africanos potenciaria retornos em termos económicos e sociais para as populações destes países extraordinariamente elevados. É o caso de Cabo Verde! Formado por dez ilhas, nove delas habitadas e com um conjunto excepcional de capacidades de oferta diversificada, já que existem uma imensidão de oceano, praias de sonho, montanhas, vulcões, património arquitectónico, cultural (a Cidade Velha na Ilha de Santiago é património mundial da Unesco) gastronómico, musical, etc,) faz deste País um autêntico sonho de consumo sobretudo para os europeus que fogem ao rigoroso frio durante os longos meses de Inverno no Hemisfério Norte. O facto de estar situada a apenas 4 horas de voo das principais capitais europeias, fez surgir estudos que apontam o país como o futuro Caribe de África. Na verdade a relação económica de Cabo Verde com a Europa é decididamente mais forte do que com o resto dos países africanos, a ponto do país estar inserido na Macaronésia, uma Organização que engloba um grupo de ilhas do Atlântico Norte formadas por Açores e Madeira (Portugal), Canárias (Espanha) e Cabo Verde. Um dado que revela a importância do sector turístico na economia cabo-verdiana, é que o turismo e o sector imobiliário, receberam 80,5% do Investimento Directo estrangeiro realizado no país em 2008. Existem actualmente no País, 178 unidades hoteleiras que disponibilizam 5891 quartos e 11.397 camas. Apesar da forte crise que afectou a economia mundial em 2008, o turismo em Cabo Verde cresceu ao contrário da maioria dos países, registando-se um aumento do fluxo de turistas na ordem dos 7%. Estima-se que 400.000 turistas tenham visitado o país em 2010, contribuindo com 20% da riqueza gerada pelo país nesse ano.

3. Qual sua opinião em relação ao potencial acordo ou convênio entre a Universidade de Aveiro e de Cabo Verde com o curso de Turismo da Universidade Federal do Rio Grande. Do ponto de vista socio-econômico e científico, de que maneira as universidades conveniadas serão diretamente beneficiadas?

Várias experiências vivenciadas pela Universidade de Aveiro e em que pessoalmente estive envolvido, apontam para uma realidade inquestionável: o turismo e o estudo do turismo são actividades globais e que tendem a ter maiores índices de sucesso quando envolvem várias instituições e pesquisadores. Exemplo disso é o Seminário intitulado “Desenvolvimento Sustentável do Turismo: o ensino e a investigação na CPLP”, e realizado no mês de Junho de 2010 na cidade da Praia, capital de Cabo Verde. Nesta altura estiveram neste Seminário várias Universidades do espaço lusófono, entre elas a Universidade do Algarve, a Universidade de Aveiro, ISCTE, ESHT Estoril e a Universidade de Lisboa -IGOT (Portugal), a Universidade de Cabo Verde, a Universidade Agostinho Neto (Angola), a Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique), O Instituto Superior Politécnico de São Tomé (S.Tomé e Príncipe), a Universidade Nacional de Timor Leste (Timor Leste) e a Fundação Getúlio Vargas, Instituto Virtual do Turismo, UNIP, UNIVALI, Universidade de Brasília, Universidade do Vale do Itajaí e as Federais de Ouro Preto, Paraná, Fluminense, Rural do Rio de Janeiro além da Universidade de São Paulo (USP) do Brasil. Os assuntos discutidos neste fórum foram assentes não apenas em grandes áreas de actuação e discussão, mas também sobre cooperação futura e de iniciativas possíveis no que toca ao ensino, investigação, mobilidade e transferência de conhecimento para a área do turismo. Alguns grandes projectos de investigação estão já em andamento, envolvendo várias destas Universidades em países e diferentes continentes, ligados pela mesma língua e pelo desejo de concertar acções que permitam desenvolver o turismo no espaço lusófono e trocar experiências de sucesso que possam ser implementadas nos diferentes países, permitindo o envolvimento de pesquisadores de diferentes unidades de investigação das várias Academias participantes. Devo confessar como membro da Comissão Científica do Seminário, que os dois dias de amplos debates sobre o turismo no espaço lusófono, tiveram como ponto alto a capacidade de permitirem o contacto entre os vários investigadores das mais diversas Instituições dos países atrás citados, que permitiram um envolvimento de vários deles nos projectos comuns que as várias Universidades têm em andamento. Penso assim que o envolvimento e a participação nesta rede da Universidades Federal do Rio Grande seria de extrema importância para a vossa Instituição, bem como agregaria experiências valiosas conhecidas e já testadas por vós, ao conhecimento dos demais investigadores. Várias Instituições europeias têm vindo a financiar projectos nesta área do turismo, dada a extraordinária capacidade de oferta turística que os 8 países deste espaço apresentam, existindo particularmente um amplo consenso sobre como trocar experiências de sucesso e demais informações sobre o turismo dentro do espaço da CPLP.

4. Qual a sua visão em relação à realização da Copa do Mundo de Futebol FIFA2014 e os Jogos Olímpicos 2016 no Brasil e quais as tendências e perspectivas para os negócios turísticos no Brasil após esses eventos?

O Brasil é uma das maiores economias do mundo, líder incontestado da América Latina e um país que tem vindo a assumir uma capacidade de liderança mundial inquestionável. A atribuição destes dois grandes eventos desportivos é uma oportunidade de ouro para projectar definitivamente o Brasil no cenário mundial e solidificar a sua presença nas tomadas de decisão a nível mundial global. Como conheço muito bem o Brasil (País onde vivi 15 anos e de quem me considero filho adoptivo) não tenho dúvidas de que os dois eventos serão coroados de êxito, porque quando o brasileiro se propõe a fazer algo, fá-lo na esmagadora maioria das vezes bem. As preocupações que alguns sectores têm quanto a questões de segurança, que parecem ser as mais sensíveis, serão seguramente ultrapassáveis e o apoio que o governo federal deu à realização destes eventos, parece-me garantia mais do que suficiente. Penso que será uma oportunidade extraordinária de mostrar o País ao mundo e de garantir que se acelerará o fluxo de turistas de uma forma intensa a exemplo de outros países onde se realizaram eventos semelhantes. Acredito que o turismo se incrementará de uma forma crescente e sustentada, dando ao país uma visibilidade no mercado turístico internacional, que poderia demorar vários anos a ser conquistada sem estes eventos. Em relação especificamente aos Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro, devo dizer-lhes que conheço muito bem a realidade antes e pós Jogos. Vivia eu em 1991 na cidade de Barcelona que se preparava para os Jogos Olímpicos de 1992. A transformação que a cidade catalã viveu com os Jogos é algo que me impressionou deveras. Há a acrescer ainda o facto de terem crescido exponencialmente as visitas à cidade de Barcelona após os Jogos, tornando-a uma das cidades europeias mais visitadas, sendo incluído na maioria dos pacotes turísticos, uma visita guiada às instalações olímpicas.

5. De acordo com as experiências européias de que forma as cidades de pequeno porte devem se planejar, a partir desse momento, para captar parte deste grande crescimento na demanda turística do Brasil entre os anos de 2014 e 2016?

Acho com sinceridade que esta é a questão mais difícil de responder de uma forma pragmática e clara. Não conheço estudos que tenham mostrado impactos significativos na demanda turística em cidades de pequeno porte, sobretudo se elas estão afastadas das cidades sede, durante os períodos dos eventos. É de aceitar que a demanda turística pelo Brasil aumente após os eventos e não apenas no Rio de Janeiro, ou nas grandes capitais que receberão os grupos do campeonato do Mundo de Futebol. Ou seja admito um crescimento global da procura turística no Brasil, que esteja associada à visibilidade que o país terá. A experiência europeia mostra que o crescimento do turismo nas cidades sede é um facto. Barcelona é supostamente um dos casos mais emblemáticos se bem que no extremo oposto está Atenas, que estudos mostram ter tido ganhos muito ténues com os Jogos de 2004. É de admitir que as cidades limítrofes do Rio possam ter uma afluência de turistas significativa durante o período do evento, ainda que a cadeia hoteleira da cidade maravilhosa esteja adequada a uma pressão da demanda extrema no pico dos Jogos. Tenho mais dificuldade em entender de que forma cidades mais pequenas e longe dos grandes centros urbanos onde se realizarão os Jogos, poderiam obter ganhos advindos do grande número de turistas que afluirão às grandes cidades e cuja propensão a conhecer outros locais deverá ficar circunscrita a um distância que supostamente não se afastará do eixo central que será a cidade sede. É bastante possível, no entanto, que alguns locais turísticos, conhecidos internacionalmente como de excelência ( Fernando Noronha, Bonito, Lençóis Maranhenses, Florianópolis, Fóz do Iguaçú, Salvador e costa baiana, etc, bem como os destinos património da humanidade) possam beneficiar de uma aumento potencial de turistas na época dos eventos, ainda que isto seja uma mera hipótese, uma vez que o Brasil é tão grande que demoraria dias a visitar estes locais o que poderia inviabilizar a presença dos turistas que vêem para ver os Jogos.

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